O digital traz incerteza. Quem pensa que o futuro dos meios de comunicação já consagrados na sala das famílias, como a televisão, preocupa apenas os telespectadores, está enganado. Grandes realizadores de televisão, como o produtor e diretor da Moonshot Pictures Roberto D’Avila, refletem diariamente para buscar alternativas ao novo mundo de possibilidades que surge com o digital. O que está em jogo é a criatividade e a capacidade de renovação de produtos televisivos. “Eu acho que a televisão já acabou”, atesta D’Avila, durante entrevista no Tecnopuc Viamão na última segunda-feira (6).
O aparelho que acompanha o cotidiano de milhares de brasileiros continuará existindo, mas com um novo jeito de fazer televisão. D’Avila explica que ela acabou como um modelo antigo, linear, analógico e de poucos canais. “Hoje temos 220 canais de TV paga. A TV aberta disponível em todos os lugares com sinal digital, além de outros sistemas de assistir televisão, como poder gravar a programação”. O que muda é a dinâmica de funcionamento, devido às novas opções de entretenimento online, como games e vídeos em formatos curtos que concorrem com a televisão. “Na televisão, você só recebe. Existe um grau de interatividade, mas muito menos do que como em um jogo ou vídeo no Youtube que você pode comentar, por exemplo”.
9mm: São Paulo, uma das séries produzidas por D’Avila, foi realizada em parceria com Newton Cannito. Cineasta, roteirista e escritor, Cannito revela em seu livro A Comunicação na Era Digital os cinco mitos apocalípticos que rondam as conversas sobre o fim da televisão. Ele desconstrói estes mitos logo no começo da obra. Eles são: o fim da narrativa, a migração do público para a internet, a interação constante, a televisão toda customizada e a realização de televisão por todos. Mas ele tem argumento para defender a televisão. “Nossa hipótese é que a experiência de assistir à televisão tem características próprias que continuarão existindo mesmo no ambiente da convergência, e que os novos sucessos serão programas que dialoguem com – e potencializem – os hábitos tradicionais do público”.
D’Avila acredita que o desafio da indústria criativa atualmente não está relacionado com talento natural e intuição, assim como em nenhuma outra área. O produtor utiliza a comparação com o piloto de avião comercial e afirma que qualquer um desses segmentos demanda estudo e prática. Mas faz uma ressalva: “A única diferença é que um produtor de televisão ruim não mata pessoas”. D’Avila lembra que quando começou a trabalhar com cinema, o material utilizado era a película, muito cara e de acesso limitado. Isso tornava o preparo mais lento, pois o profissional refletia mais sobre o trabalho. Além do custo, o realizador pensava mais no que produziria. “Hoje você pega sua câmera e sai tirando fotos de todo mundo sem pensar. Antes, você se preparava muito para decidir o melhor ângulo, o melhor enquadramento.”
Trinta anos depois, com bastante experiência e diretor de uma produtora, D’Avila diz que apesar destas mudanças envolvendo as ferramentas, os fundamentos não mudaram. É importante conhecer a dramaturgia, saber de construção de personagem, de narrativa e das ferramentas que são necessárias para você construir produtos vencedores no audiovisual. Muitos podem cair na armadilha da facilidade de acesso aos modos de produção, mas ele acredita que o conhecimento e o estudo são a melhor saída. “Quem vai se destacar e ser um realizador de audiovisual é aquele que irá dominar a ferramenta profundamente e usar a seu favor, e não aquele que cair no conto da sereia da facilidade tecnológica”.
Sessão de Terapia, produto de muito sucesso da Moonshot Pictures e exibido pelo canal GNT, apresenta os desafios do novo modo de realizar televisão. Com três temporadas produzidas, a série é ambientada num consultório de psicanálise e acompanha a história do psicoterapeuta Theo. Os lados profissional e pessoal deste personagem são exibidos juntamente com as histórias de seus pacientes. É um formato de série que envolve poucos elementos, e D’Avila considera um desafio prender o telespectador para que ele não troque de canal. “Apesar de parecer o mais simples, ele é o mais difícil e sofisticado do ponto de vista da construção.” O complicado é conseguir alcançar o nível de intensidade da cena neste espaço limitado que é a narrativa da câmera, somada ao talento do ator para que você acredite nele. “Este é o verdadeiro teste de pós-graduação. Ele atesta, de fato, que você tem proficiência no uso destas ferramentas e está no controle. Qualquer deslize, e o telespectador não receberá a mensagem na intensidade certa.” Pensando no futuro, D’Avila afirma que os realizadores de televisão terão que criar produtos atrativos para mais de um público, mais de uma janela e achar uma saída para agregar valor a isso.