A decáda de 60 foi marcada pela ascensão da televisão e a crise da indústria cinematográfica. No contexto, grandes diretores e roteiristas migraram para o novo meio de comunicação. Em tempos de Nouvelle Vague e controle sobre a mídia, além de compartilharem seus compromissos com a militância política, Roberto Rossellini, Jean-Luc Godard e Rainer Weiner Fassbinder também têm em comum seus relacionamentos com a televisão. Na segunda mesa de terça-feira (28) do seminário A Vida em Fatias, em comemoração aos 10 anos do Teccine, aconteceu a palestra Autores do Cinema na TV: Rossellini, Godard e Fassbinder. Leonardo Bomfim, Flávio Guirland e Enéas de Souza contaram como três dos maiores diretores da história lidaram com os tempos escassos do cinema transformando sua arte em televisiva.
O Absolutismo – A Ascensão de Luís XIV, de Roberto Rossellini, foi o primeiro filme para televisão a ser comentado. Lançado em 1963, ajudou a melhorar a relação complicada entre TV e cinema. Produtor, diretor e roteirista, marginalizado e sem verba, sempre acreditou no papel do cinema e no conhecimento como poder. Rossellini foi uma figura de grande importância na história do cinema. A televisão foi um capítulo à parte em sua trajetória, como afirmou Leonardo Bomfim. O jornalista expôs o projeto ambicioso de Rossellini, que pretendia transformar momentos históricos em filmes realistas, uma enciclopédia visual, através da linguagem clássica e da típica troca de ensinamentos entre o diretor e seu público. Em vídeo, ouve-se Rossellini contar sobre como a televisão o fazia sentir-se mais livre para contar suas histórias. Destaca-se o poder do cineasta em impulsionar e estreitar a relação dos jovens com o cinema, por meio de sua imersão no meio televisivo, do uso de plano sequência, da exposição da evolução do pensamento humano e do cinema político.
Jean-Luc Godard, em sua crença no cinema como ferramenta que pensa e dá a pensar, sempre usou suas obras como arma política e máquina de desenvolvimento do pensamento. Conhecido por seu cinema de ensaio, polêmico e vanguardista, inserido na única geração que estava no meio da história do cinema e da história do século XX, usou os filmes como instrumento de reflexão e modo de contar a história. Em suas fases, o cineasta preocupou-se em quebrar os padrões clássicos, expor militância explícita e estreitar sua relação com o contar da história do cinema. Evidencia-se a conjunção de elementos de som, imagem e texto escrito na narrativa. O professor de Produção Audiovisual Flávio Guirland apresentou Histórias do Cinema, filme em que Godard conta trajetória do cinema se inserindo no relato. Por meio de documentos, o cineasta trabalhou como historiador e teletransportou-se para papel ativo no fazer do relato. “Godard relata suas memórias como se fossem contadas através do cinema”, disse Guirland.
O crítico Éneas de Souza responsabilizou-se por apresentar a obra se Rainer Werner Fassbinder, através da série de 15 capítulos Berlin Alexanderplatz. É exposto o apreço de Fassbinder por retratar a realidade alemã por intermédio de marginais. O filme inicia com o personagem principal, Franz Biberkopf, sendo liberto do cárcere. Realidade montada, cenas teatralizadas, construção do lugar e terceira dimensão da imagem associados ao refinamento do cineasta destacam a preocupação do diretor por inserir o público na narração audiovisual. Em 15 horas, o melodrama (ou trama de destruição) intensifica a relação do sujeito com a realidade montada. Fassbinder pensa pela imagem no intuito de provocar reflexão através do realismo. “Se vocês assistirem ao filme e relacionarem ao que vivemos atualmente, vocês ganharão muito”, finalizou Enéas.