Dois séculos antes de Jesus Cristo havia 280 tratados sobre a felicidade. No século XIX, esse número aumentou para 600. Hoje, podemos contá-los em milhares, sem mencionar o fato de que cada pessoa tem o seu próprio tratado. Os seres humanos sempre tentaram compreender melhor esse sentimento, o que resulta na imensa gama de escritos sobre o assunto.
O escritor Pascal Bruckner, considerado um dos novos filósofos (designação assumida por um grupo de jovens intelectuais franceses dos anos 70) publicou 15 livros e ganhou dois importantes prêmios literários europeus. Bruckner é um crítico da felicidade enquanto objetivo principal e absoluto. “Desde pequenas, as crianças tendem a começar a trabalhar a sua felicidade, e aquelas que não conseguem são encaminhadas para terapeutas, que devem ajudá-las a reerguer-se”, disse o filósofo nessa quinta-feira (23), em palestra no auditório da Famecos.
Para ele, a sociedade da felicidade obrigatória é também a sociedade da depressão, sendo esta a nossa grande doença moderna. “No passado, a neurose traduzia o conflito existente entre o desejo e a lei, ao passo que a depressão é o sentimento de não estar à altura do ideal que estabelecemos para nós mesmos”, mencionou.
Frente à atenta plateia, Bruckner comparou essa palavra de ordem da felicidade a uma ditadura, que persegue aqueles que não conseguem alcançá-la. “O contrassenso, ao mesmo tempo engraçado e trágico, é que a sociedade se torna infeliz por não conseguir ser, o tempo todo, feliz”, disse.
Outro problema, conforme o escritor é que talvez haja um mal-entendido, que considera a felicidade como puro produto de uma decisão humana. Entretanto, a experiência mostra que a felicidade não é algo simples. Nesse ponto da conferência, Bruckner pontuou algumas considerações. A primeira revela que o importante não é construir a felicidade, como construímos um edifício, mas talvez reconhecer esse sentimento quando ele chega a nós. “A maior parte das pessoas, principalmente os jovens, não sabe sequer saborear a felicidade quando ela chega”. Para ele, a arte de viver talvez esteja em aceitar essas pequenas felicidades que vêm sem esperarmos.
Bruckner citou o também filósofo francês Blaise Pascal. “Sempre estamos esperando para sermos felizes, e a vida passa e nunca alcançamos essa felicidade”. Precisamos nos perguntar se temos certeza de que a felicidade é a meta, a finalidade da vida, ou se trata de uma neurose puramente ocidental. “É universal a tentativa de evitar a infelicidade, o sofrimento, a miséria e a mágoa, mas será que nós temos tanta certeza de que a felicidade não é aquele horizonte insuperável?”, indagou.
O escritor seguiu com uma série de questões perturbadoras. “Será que não haveria valores mais ricos e autênticos do que a felicidade propriamente dita? Será que a liberdade não é mais importante do que a felicidade?” Será que uma felicidade obtida em detrimento de outros merece ser chamada felicidade? Será que não poderíamos fazer da liberdade, da justiça, da solidariedade valores mais importantes que a felicidade?”. A resposta também foi incisiva: “o grande problema da felicidade é que ninguém consegue chegar a um consenso sobre a sua definição.”
No fim de sua explanação, Bruckner concretizou seu ponto de vista. “Quando alguém nos pergunta: como vai você?, sempre temos um momento de hesitação”, disse, acrescentando que em alguns segundos, é preciso fazer um balanço psicológico, moral, econômico antes de dar a resposta. “E se eu responder que não estou bem, isso vai provavelmente gerar no meu interlocutor uma careta, de quem esperava continuar o seu caminho com outra resposta de minha parte”, afirmou. Além da palestra para os alunos da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), Bruckner também participou do projeto Fronteiras do Pensamento.